Meu nascimento

Quando nascemos, nasce uma mãe, um pai, uma família

Tuly

11/5/20202 min read

Minha mãe conta a história do meu nascimento até hoje. "Fomos buscar a parteira lá na casa da Tutcha, quase que você nasceu no sofá dela". Ai quando veio a parteira, depois que a bolsa rompeu foram 40 minutos. "Ai que a dor veio mesmo, até ali eu não tava com dor, mas sofri depois que a bolsa rompeu. Doeu muito, mas foi rápido depois, depois que a bolsa estoura é que a coisa fica doida".

Dona Purciliana era uma parteira tradicional, benzedeira que partejou todo mundo aqui onde eu nasci, éra muito comum parto em casa. "Só cobrava doação, só isso, e trazia os óleos dela, fazia as massagens e fazia tudo que precisava, só não costurava, se precisasse costurar precisava chamar o médico". Ficava me perguntando o porque parir com parteira. "Éra muito diferente parir com médico e parteira?", perguntei. "Ahh o médico só fica lá parado olhando" risos, "A parteira pega, massageia, tras a força, reza, muito diferente".

Vi meu primeiro parto em 1987, minha irmã nascia pelas mãos de Dona Purciliana, finalmente vi ela em ação, eu tinha 5 anos. Era tarde da noite e acordei com as vozes no andar debaixo, olhei pro teto e estava escuro, olhei em volta nas paredes de tijolo, vi que estava sozinha no quarto da minha mãe, caminhei até a escada, estreita, de madeira e vi a movimentação logo embaixo, tive receio, me pareceu proibido, intimo, todos trabalhavam em silêncio, senti que não era pra mim, que não pertencia àquele momento. Virei e estava voltando pra cama dos meus pais, deitei e fechei os olhos, ouvi barulhos de explosões, como se milhares de fogos de artifícios explodissem ao mesmo tempo, nesse momento ouvi as vozes de comemoração, um arrepio frio de emoção e espanto me percorreu, desci e lá estava ela, recém parida, pacotinho de bem viver, minha irmã. Olhei ao redor e vi uma bacia de instrumentos da parteira, alcool, algodão, tesoura. Ficou na minha memória aquilo, o cheiro de erva. Encoste na pequena e me apaixonei, não só por ter uma irmã, mas pelo fato de um ser humano virar dois, ou dois virarem três.

Cresci no meio da floresta, tomando banho de cachoeira e comendo fruta do pé, correndo de pé descalço. "A televisão deixa a cara quadrada", minha mãe dizia. "Vão tomar um banho de rio". Depois de um tanto de descordãncia, corriamos lá pra fora e inventavamos algo pra fazer, muita corrida, muito nadar, muito inventar brincadeiras. Qualquer dor de qualquer coisa, lá vinha minha mãe com chá e própolis. Tanchagem pra gripe, pra inflamação, pra tudo. Infância com gosto de mato, de fruta fresca roubada do vizinho, de fazer barco de papel pra jogar na enchurrada, gosto de mel, de própolis e de tudo que vinha da abelha. Meus pais trabalhavam como apicultores durante um tempo, então era mel pra tudo, quando tava com fome, jogava limão no mel e comia de colher e ficava sonhando com doces que as vezes a gente não tinha, achando que ter doce industrializado que era riqueza, que era bom. Depois de toda fornada de pão de mel que minha mãe fazia a gente não só lambia os potes mas lambia a travessa de chocolate derretido que sobrava. Ela deixava a gente comer pão de mel a vontade, sem muquiranice, comi tanto pão de mel, mas tanto, que chegava a enjoar. Levava pra escola, pros amigos escondido. Um dia um menino que achava legal me disse que se eu levasse 10 pães pra ele, ele seria meu amigo pra vida toda. Achei engraçado, ele era bonitinho, então levei, é meu amigo até hoje. Fazem mais de 30 anos isso.